sexta-feira, 9 de setembro de 2011


                                                                   



                                                            NO LIMITE

Admiro quem tem uma vida tranqüila e serena, sem grandes sobressaltos e tudo muito bem organizado. Parece que Deus agraciou algumas pessoas, cercando-as de facilidades e levando-as a lugares plácidos.
Outros, como eu, estão sempre no limite. Limite das forças, do equilíbrio, da fé e da esperança. Assim como o salmista, repetidas vezes já pressenti que “quase me resvalaram os pés” (Sl 73.2).
Felizmente estou em boa companhia. Acredito que há pessoas cuja caminhada de fé nunca será nas planícies, mas nas escarpas montanhosas, onde o ar é rarefeito, a subida é cansativa, e a fé é levada ao seu extremo. Apesar dos percalços do caminho, a visão dali é belíssima, e só quem se arrisca a subir pode apreciá-la.
Paulo, o apóstolo, viveu sua vida nos limites. No limite da fraqueza, com “lutas por fora, temores por dentro”; no limite da condição humana por conta das prisões, açoites, naufrágios, perigos, frio e nudez; no limite do desprezo, sendo considerado como lixo e “escória do mundo”.
O profeta Jeremias também experenciou os píncaros da tristeza (depressão?) a ponto de maldizer a Deus por não tê-lo matado ainda no ventre materno (Jr 20.17). Oséias viveu no limite da dignidade de um profeta quando Javé lhe pediu para casar com uma prostituta do povo (Os 1.2) e o profeta Ezequiel no extremo do equilíbrio emocional: a ele Deus até proibiu de chorar a morte da esposa amada, “delícia de seus olhos” (Ez 24.16).
As grandes obras de artistas, pintores e compositores sempre foram obtidas “no limite”. Quem já teve o prazer de ver “A noite estrelada” de Van Gogh não consegue imaginar que ao pintar um de seus mais belos quadros, com ciprestes retorcidos e estrelas em turbilhão, ele retratava ali um pouco de sua loucura, que estava no auge. Handel, já quase cego, compôs o “Aleluia” depois de se trancar no quarto por 24 dias, sem sair e com pouca comida, até sua obra terminar. Foi no limite de uma surdez que nasceu a mais famosa sinfonia de Beethoven. Os mais belos poemas só nascem na alma dos poetas que experimentaram as dores mais profundas. As notas mais altas e belas do violino são tiradas de cordas esticadas “ao extremo”.
Quem vive no limite tem poucos momentos prazerosos para desfrutar. Mas quando tem é capaz de aproveita-los e ser infinitamente agradecido a Deus, muito mais que aqueles que a todo momento se regalam, pois aprendeu a reconhecer a Graça divina.
Quem vive no limite quase nunca tem tempo sobrando, e justamente por isso é chamado por Deus para realizar outras obras. Ao Senhor sempre apreciou chamar os atarefados.
Os personagens bíblicos que viveram no limite do pecado conheceram mais fortemente a Graça do perdão, e sentiram mais intimamente o Amor do Pai. Vejo mais santidade no filho pródigo que viveu no limite do desejo que seu irmão sempre pesarosamente contido; vejo mais amor na mulher de má fama que se derramou diante de Cristo que os convidados à mesa, cheios de justiça própria.
O grande desafio de quem vive “no limite” é a dificuldade de vislumbrar a presença do Senhor ao seu lado. Esta presença nunca é suficientemente clara, dada a tensão em que vive. Entretanto, justamente por não viver pela sensação, mas pela fé, ele sabe que Deus está ali.
Compadeço-me tremendamente dos que estão no limite da sanidade, quase a atravessar um caminho muito difícil de voltar. Já perderam os amigos, os amores dos que antes os amavam, perderam a capacidade de controlar os pensamentos, e mergulharam num mundo desconexo e aterrador.
Diferentemente dos que têm uma vida bem estruturada, gozam de saúde, e possuem recursos deste mundo, quem vive no limite precisa desesperadamente de Deus todos os dias, para suportar a dor, para não cair, para não pecar e não deixar-se morrer. Não creio que haverá uma intervenção divina para mudar esse padrão de ser, pois Deus os escolheu para testemunharem a Cristo na condição de “coisas loucas deste mundo”.
Num meio evangélico obcecado por bênçãos, essas pessoas imaginam que não possuem testemunhos a compartilhar. Na verdade, se elas forem à frente da igreja darão o maior de todos os testemunhos: de como Deus os tem sustentado a cada dia. Esses testemunhos fariam um contraponto aos “meninos na fé” que se vangloriam de possuírem brinquedinhos novos que ganharam de Deus.
Dedico esse texto a todos os que estão nos limites de suas forças e da paciência, e que se seguram num tênue fio de fé; dedico a todos que amaram e foram ignorados, nos que trabalham e não são reconhecidos, dos que vivem seu dramas – mas não fazem deles uma tragédia, nem ficam cobrando de Deus facilidades, nem livramentos milagrosos, mas tão somente, tão somente, que Ele lhe conceda forças para acabar o dia e repousar o corpo cansado sobre a cama. A estes, o meu respeito e o meu reconhecimento de que estou diante de quem compreendeu o verdadeiro Evangelho de Cristo.

Texto do Pr. Daniel Rocha 

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